O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), chamou de
“absurdo” o rumo que tomou no STF o julgamento da ação da OAB contra o
atual modelo de financiamento das eleições. Já votaram quatro ministros,
todos a favor da proibição de contribuições eleitorais de empresas.
“Não há hipótese de o Parlamento receber passivamente uma decisão
radicalizada e invasiva como essa que está por vir”, disse o deputado em
entrevista ao blog.
Para Henrique, o STF “joga para a plateia” ao esboçar o veto ao
dinheiro privado nas campanhas. “Não se pode dizer que uma empresa que
faz doação a um partido estaria comprando o partido ou comprando o
político eleito pelo partido. Isso é uma avaliação muito distorcida, que
nós não aceitamos em hipótese nenhuma”, declarou a certa altura. “Será
que desejam oficializar o caixa dois?”, indagou.
Henrique Alves lamentou que o próprio presidente do STF, Joaquim
Barbosa, tenha criticado o Congresso. “É preciso lembrar que foi esse
mesmo Congresso que aprovou a indicação do nome de Joaquim Barbosa para
ocupar uma cadeira de ministro do Supremo.”
Ele não aceita a tese segundo a qual a inação do Congresso torna
legítima a reação STF. “Se formos ponderar os milhares de processos que
se acumulam há décadas no Supremo e nas instâncias inferiores do
Judiciário, podemos também dizer que há ineficiência nessa demora. Nem
por isso vamos tirar dos tribunais a prerrogativa de julgar esses
processos. Críticas, quando construtivas, são aceitáveis de parte a
parte. O que não dá para aceitar é a invasão de prerrogativas.” Vai
abaixo a entrevista:
O STF começou a julgar a ação da OAB contra as contribuições
eleitorais de empresas privadas. O que achou da aparente tendência do
Supremo de decretar a inconstitucionalidade do atual modelo de
financiamento das campanhas? Achei um absurdo. Se essa
tendência se confirmar, será uma decisão invasiva. Esse tema é de
competência exclusiva do Legislativo. Não faz o menor sentido o Supremo
adotar uma posição invasiva num tema que é da atribuição do Congresso.
Discorda da tese segundo a qual a omissão do Congresso legitima a atuação do STF? Estamos
com um projeto de reforma política em andamento. Fizemos um grupo de
trabalho, toda imprensa registrou. Foi elaborada uma PEC, proposta de
emenda à Constituição. A comissão especial que analisará a proposta já
está criada e será instalada na próxima terça-feira. Vamos votar no
plenário em abril. Não se faz uma reforma desse tipo em cima da perna.
Estamos modificando a estrutura de uma legislação eleitoral de 30 anos. O
STF não ignora isso. Reconheço que poderíamos ter feito antes. Mas isso
não é razão para que o Judiciário atropele o Legislativo.
O que pode ocorrer se for confirmada a tendência do Supremo
de decretar a inconstitucionalidade das contribuições de empresas
privadas? Isso provocará graves reações do Poder Legislativo.
Que tipo de reações? Serão reações que podem afetar a
relação entre os poderes. Não é adequada a maneira como o assunto está
sendo tratado. Houve declarações do próprio presidente do STF,
censurando o Legislativo. Os parlamentares não estão recebendo bem.
Ao votar, o ministro Joaquim Barbosa disse, se quisesse, o
Congresso poderia ter regulado a matéria. Na expressão dele, ‘nada se
fez’. Além de decretar a inconstitucionalidade, ele se opôs à ideia de
dar um prazo ao Legislativo para modificar a legislação. Disse que essa
prática serve apenas para ‘desmoralizar’ o Judiciário, já que o
Congresso não costuma cumprir os prazos fixados pelo STF. Citou o caso
da fixação de regras para o Fundo de Participação dos Municípios. Deu a
entender que o Congresso não merece crédito porque ‘ignora’ os prazos.
Discorda? Esse tipo de censura não me parece cabível. É preciso
lembrar que foi esse mesmo Congresso que aprovou a indicação o nome de
Joaquim Barbosa para ocupar uma cadeira de ministro do Supremo.
Ministros do Supremo são aprovados pelo Senado. E a aprovação do
ministro Joaquim foi feita de maneira responsável por um Congresso
confiável. Por esse caminho da crítica fácil não chegaremos a lugar
nenhum. Estamos diante de uma clara invasão de competências. Isso poderá
gerar realmente um grave problema nas relações do Legislativo com o
Judiciário.
Como assim? Estou tentando segurar manifestações.
Isso não é hora. Creio que temos que tentar o diálogo. Mas se partir
para essa radicalização o resultado não será bom.
O que pode ocorrer se forem proibidas as contribuições de empresas aos candidatos e aos partidos? Fico
imaginando o que querem os defensores dessa providência. Será que
desejam oficializar o caixa dois? Como é que serão feitas as campanhas? É
uma coisa irreal. Até parece que estão querendo estimular o criminoso
caixa dois. Ninguém pode querer isso.
O que fazer? Vamos disciplinar, vamos fiscalizar,
vamos encontrar os métodos. Tudo isso dentro do processo legislativo,
jamais como imposição do Judiciário. Qualquer coisa fora disso provocará
uma reação muito forte do Poder Legislativo.
A OAB ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade. O Supremo tinha que julgar, não? Veja
bem, a ação da OAB foi ajuizada lá atrás, em 2011. Já poderia ter sido
julgada. Por que julgar agora? O ministro Teori [Zavascki] pediu vista
do processo. Isso jogará o julgamento para o ano que vem. Vão tomar uma
decisão dessa magnitude em pleno ano eleitoral? Isso é midiático apenas.
Isso é para jogar para a plateia. Não vamos transigir. Todos sabem que
já estamos tratando do assunto. A imprensa inteira noticiou. Até
reconheço que poderíamos ter agido antes. Mas isso não justifica que um
outro Poder se sinta no direito, que não tem, de ser invasivo a esse
ponto. O Legislativo não vai aceitar. Espero que isso não venha a se
consumar. Eu me pergunto, às vezes: o que é, afinal, que está sendo
considerado inconstitucional?
Pelo que se extrai dos quatro votos já proferidos, os
ministros consideram, entre outras coisas, que as empresas não podem ser
equiparadas aos cidadãos. Nessa linha, a contribuição eleitoral do
empresário seria legítima, não a da empresa. Ainda assim, dentro de
limites que preservem o equilíbrio da disputa. Não é isso? Mesmo
os constituintes de 1988, quando fizeram a Constituição, não chegaram a
esse ponto. Claro que tem que ter uma metodologia, uma modulação, uma
rigorosa fiscalização. Mas não se pode dizer que uma empresa que faz
doação a um partido estaria comprando o partido ou comprando o político
eleito pelo partido. Isso é uma avaliação muito distorcida, que nós não
aceitamos em hipótese nenhuma.
Considerando-se a tendência esboçada nos primeiros quatro
votos, não são negligenciáveis as chances de o Supremo decretar a
inconstitucionalidade do atual modelo de financiamento eleitoral. Sua
observação é a de que o Parlamento não aceita. E aí? Não há
hipótese de o Parlamento receber passivamente uma decisão radicalizada e
invasiva como essa que está por vir. Haverá, sim, uma reação. Não sei
em que termos e em que tom. Mas não tenha dúvidas: haverá uma
manifestação clara de desagrado do Poder Legislativo. Não é possível
isso!
Por que não é possível? Somos acusados de omissão
legislativa. Reconheço que poderíamos ter feito antes. Mas não se faz
uma reforma política sobre a perna. Se formos ponderar os milhares de
processos que se acumulam há décadas no Supremo e nas instâncias
inferiores do Judiciário, podemos também dizer que há ineficiência nessa
demora. Há processos que atingem o direito de famílias e de pessoas.
Esss pessoas morrem sem ver o jugamento. Envelhecem sem ver os seus
direitos respeitados pelo Judiciário. Mas nem por isso vamos tirar dos
tribunais a prerrogativa de julgar esses processos. Críticas, quando
construtivas, são aceitáveis de parte a parte. O que não dá para aceitar
é a invasão de prerrogativas. Não vejo ninguém no Parlamento falando em
criar pela via legislative outras instâncias judiciais ou em transferir
para outros Poderes a prerrogativa de julgar. Não faria sentido.
Em abril deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara aprovou proposta de emenda à Constituição do deputado Nazareno
Fonteles (PT-PI) que submete ao Congresso decisões do STF, não se
lembra? É verdade. Ele queria submeter decisões do Judiciário
ao Legislativo. Eu reagi. Não aceitei. O deputado até brigou comigo, me
atacou pelos jornais. Mas a Constituição é clara ao estabelecer a
harmonia e a independência dos Poderes. A atuação que tive nesse
episódio, com o apoio da ampla maioria da Casa, me permite agora dizer
que, do mesmo modo, não aceitamos que o Judiciário queira invadir as
competências do Legislativo. Falo pela Câmara: nós não vamos aceitar.
Espero que a reação não seja necessária.
Essa proposta de emenda constitucional que a Câmara pretende
votar em abril mantém a possibilidade de contribuições eleitorais de
empresas, não?Sim. A proposta prevê um sistema de financiamento misto, público e privado. Estabelece regras para um e para o outro.
O financiamento exclusivamente público está fora de cogitação? Pode-se
até limitar as doações privadas. Mas é preciso ser realista. Como vamos
fazer um financiamento público de todas as eleições —de vereadores ao
presidente da República, num país em que falta verba para tudo? O Estado
não tem dinheiro para saúde e educação. Vai financiar eleições? Isso é
irreal. É coisa de quem não vive a realidade política do Brasil. Ou
então estão querendo jogar para a plateia. Poderiam ter julgado isso em
2011. Julgar agora, em período eleitoral, do modo invasivo como está
sendo feito, não dá para aceitar.
Acha possível que alterações nas regras do financiamento da
eleição, seja por decisão do STF ou do Congresso, entre em vigor já nas
eleições de 2014?É impossível isso. Primeiro porque há o
princípio da anualidade, que impede mudanças no ano da eleição. Segundo
porque não há como aprovar. Não é só o financiamento. A reforma política
mexe em outros pontos. Não dá para chegar em março ou abril e dizer que
a eleição vai ser assim ou assado. É uma absoluta falta de realismo.
Volto a perguntar: será que estão querendo estimular o caixa dois? Nós
queremos combatê-lo, com regras claras e com método.
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