A notícia sobre a apreensão de três mil carteiras de estudante
irregulares em Natal chamou a atenção das entidades estudantis da
capital potiguar. Poucos dias após a divulgação dos números, a União
Norte-Riograndense de Estudantes (Urne) enviou denúncia ao Ministério
Público para que investigue a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana
(Semob) e o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Natal
(Seturn), responsáveis pelo controle, emissão e manutenção do sistema.
De acordo com o presidente da Urne, Felipe Azevedo, “da forma como
funciona atualmente, não há como alguém de fora utilizar irregularmente
as carteiras. Hoje, todo o processo é fiscalizado e acompanhado
diretamente pela própria Semob e Seturn. Ou seja, se alguém está
fraudando o uso dos documentos, é porque há falhas internas nas duas
instituições que precisam ser investigadas pelos promotores”.
Ainda de acordo com Felipe, com todo o trabalho controlado pelo
Seturn, a Secretaria acaba se transformando em um “espectador” de toda
essa história. “O órgão público colocou o sistema na mão dos empresários
e, agora, só aparece para se colocar contra os estudantes, como se
estes fossem os carrascos do transporte público. Estudante não é
criminoso, crimes são cometidos por aqueles que burlam as leis para
tirar proveito do direito a meia passagem”, disse.
Recentemente, a própria Urne denunciou ao MP e à imprensa o bloqueio
de carteiras estudantis feito de forma aleatória pelo Seturn. Dessa
forma, milhares de estudantes ficam obrigados a pagar o valor completo
da passagem, até conseguir a liberação da sede do Sindicato, na Ribeira.
Enquanto isso, o sistema já lucrou milhares de reais com a atitude.
Há alguns anos, a emissão e o controle de uso das carteiras estão
mesmo sob a responsabilidade da Seturn, sob a “omissão” da Semob. As
duas instituições controlam não apenas a autorização para a expedição do
benefício, restrito aos alunos devidamente matriculados, como também
possuem os números relativos à quantidade de passagens utilizadas por
cada documento, já que é no Sindicato o local de abastecimento
financeiro para uso dos beneficiários.
O mais estranho da denúncia em torno da grande quantidade de
apreensões, é que o fato chegou à imprensa por meio exatamente da Semob e
do Seturn. “Ora, se eles são os responsáveis pela emissão, a fraude
está nascendo exatamente onde não deveria, onde precisaria haver
fiscalização e controle”, disse o assessor jurídico da Urne, Thales
Goes.
O advogado fez questão de enfatizar ainda o “desdém” com que as
empresas de transporte tratam o direito a meia passagem. “Os estudantes
são obrigados a recarregar seus cartões em um único ponto, na sede do
Seturn, o que gera transtornos e prejuízos a todos, sem contar que as
empresas recebem a passagem inteira em dinheiro e se negam a receber a
meia passagem em nossa moeda corrente, desrespeitando a legislação que
obriga qualquer comércio a aceitar o pagamento em dinheiro”.
Os dados referentes às carteiras apreendidas fazem parte do primeiro
levantamento da campanha “Ônibus Legal”, liderada pela Prefeitura para
combater os mais variados tipos de fraude. Para isso, a Secretaria
reforçou sua equipe de fiscais para descobrir quem supostamente utiliza a
meia passagem de forma ilegal.
Para Thales Goes, o caso merece atenção do Ministério Público devido a
importância do tema para a população. “Se há tantas fraudes, é porque a
emissão dos documentos não está sendo bem controlada pelos próprios
responsáveis da campanha. E isto só traz prejuízos para todos os
usuários do sistema, já que o preço da passagem é cobrado levando em
conta a quantidade de beneficiários pelo direito de pagar apenas 50% do
valor da tarifa”, disse.
Estimativa
A estimativa do Seturn é que cerca de 10 mil carteiras de estudante
estejam sendo utilizadas de forma irregular em Natal. A prática mais
comum delas é servir para pessoas diferentes da cadastrada, que não são
estudantes. Também é fácil encontrar quem possui o documento mesmo
estando fora da sala de aula.
O “Ônibus Legal” consiste em colocar fiscais da Semob dentro dos
veículos de maneira aleatória. Quando ele observa o uso da carteira de
estudante, pede para ver o documento e confere com os dados do portador.
Ao verificar a falsificação, a carteira é apreendida e enviada à
delegacia mais próxima. Tanto o portador quanto o dono original do
cartão podem ser processados ou perder o benefício.
A Urne alerta ainda para outra dificuldade criada pelo próprio sistema.
Os documentos cedidos gratuitamente pela Prefeitura e pelo Seturn, após
convênio firmado com a UNE e a Ubes, não possuem a foto de identificação
do usuário. Dessa forma, fica ainda mais difícil para a própria Semob
combater as fraudes a que se refere.
O convênio firmado entre as entidades estudantis, a Prefeitura e o
Seturn, por sinal, também é alvo de muitas denúncias e suspeitas, “com
fortes indícios de fraude”. A investigação também ocorre internamente no
Ministério Público. A carteira fornecida pela UNE e Ubes são validadas a
partir de um selo criado pelo Sindicato, sem qualquer segurança para os
estudantes, o que facilitaria exatamente a falsificação do documento.
Em entrevista recente concedida à imprensa, o secretário adjunto da
Semob, Clodoaldo Cabral, revelou que quase 30% do sistema é formado por
carteiras estudantis. Segundo o representante do município, a situação
dos documentos irregulares “causa um problema porque são todas entregues
gratuitamente, e ao serem usadas por terceiros prejudica o controle que
fazemos. As carteiras que apreendemos já estão sendo enviadas às
delegacias e isso é tratado como crime”, afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário