quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Artista potiguar inova em suas telas usando fios em pinturas

A entrevista estava marcada para as 10h da manhã em um dos pontos de maior efervescência da cultura popular de Natal: O Beco da Lama e adjacências. A região é famosa pela música, culinária,  lojas que vendem livros e disco velhos, outros comércios de relógios de pulso e de parede, cordel e até vitrola e máquinas de escrever. Talvez não fosse um equívoco levar para este mesmo lugar um artista que diz produzir algo até então inédito.

O local que marcamos foi o Bar de Nazaré, onde semanalmente nas noites de quintas-feiras o samba e a cerveja gelada tomam conta da rua, dividindo espaço com as pessoas sambando sobre o calçamento. Mas era terça-feira e próximo à hora do almoço, enquanto a proprietária do bar, na cozinha preparava o feijão com carne de porco, escolhido pouco antes da chegada da nossa equipe. O entrevistado já esperava do lado de fora e até aquele momento ele era o Marcos Antônio da Silva Melo. Porém , durante toda a entrevista, eu passaria a conhecer o Marcos Demelo, o artista plástico.

Marcos é um homem magro e suas roupas não denunciam o estereótipo artístico: nem largado demais, nem também com glamour. Apenas o detalhe do corte capilar dá algum sinal da sua veia artística. O homem de 52 ou 53 anos – ele não sabe com certeza – nunca teve a liberdade que era comum às demais crianças, mas isso não foi algo traumatizante para ele. O garoto que cresceu no bairro das Rocas veio ter o acesso à educação um pouco mais tarde. “Na minha infância eu fui para a escola já tarde. Mas quando fui, eu fui para aprender, não era de ficar perdendo tempo”, revelou. Mas parou no colegial.

O artista destaca que sempre teve vontade se tornar-se um homem da arte, mesmo sem a ciência para discernir durante a infância. “Eu tinha aquele desejo de entrar no mundo das artes desde criança”, disse. Quando mais velho decidiu estudar as artes, conhecer e aprimorar sua técnica. Para isso, desceu para o sul, em direção a São Paulo. Entretanto, na terra da garoa o sonho encontrou outras barreiras. Além de pagar um curso caro, também tinha a pensão onde vivia. Muitas contas para pouca grana. Desistiu. Voltou para o Rio Grande do Norte.

Embora sua história não tivesse dado certo no sudeste, em sua terra natal não deixou o sonho morrer e passou a estudar por conta própria, não só na busca por estilo e uma técnica próprios, mas também lia livros na busca por referências. Paralelamente, Marcos Demelo fez outros trabalhos, mas no que se fixou foi na produção de móveis rústicos, sendo esta, até hoje, a sua principal fonte de renda.
ARTISTA É UM DIFUSOR DO RECICLACIONISMO
Em sua casa começou a saga pela identidade artística. Ele destacou que há mais de 20 anos vem trabalhando para desenvolver o seu estilo, e há nove na sua técnica.

Marcos Demelo afirma ser um difusor do Reciclacionismo. Em uma rápida busca no grande oráculo de nosso tempo, o Google, como resultado foram apenas 34 referências para o termo, sendo 12 citando o artista potiguar. As demais se referiam a processos energéticos.

A técnica consiste em, sobre a pintura, realizar contornos com o uso de fios telefônicos e de computação. O mesmo que nos tempos de escola – pelo menos no meu tempo – fazíamos pulseiras e tornozeleiras com eles. O material era fino, porém rígido o suficiente para não ficar desfazendo o laço. Com diversas tiras coloridas, trançávamos umas nas outras resultando em um emaranhado colorido. Pelo menos os que os meus colegas faziam, os meus eram péssimos.

Embora não se enquadrando na mesma técnica, mas a arte com o uso de material reciclado já é conhecida, só para citar um exemplo, o documentário Lixo Extraordinário apresentou ao mundo o trabalho do artista plástico Vik Muniz, que produziu diversas obras usando o “lixo” do maior aterro sanitário do mundo, o Gramacho, no Rio de Janeiro.

Apesar disso, repito: a única semelhança entre os dois se limita ao uso de materiais recicláveis para a produção.

Ele afirma que começou a atentar a esta técnica quando leu um livro falando sobre o trabalho de Monet que se referia à tapeçaria, neste momento começou o seu estudo. “Demorei nove anos com o processo. Fazia uma tela, partia para a outra, voltava para a primeira. Às vezes estava lá na frente e voltava para o começo. Foi uma gestação”, completou Marcos.

Seu estado criterioso para a avaliação do trabalho foram marcas para o amadurecimento da sua arte. “Eu estava pintando a óleo no período que estava criando a técnica, mas não consegui um a estilo que tenha gostado, então voltava tudo para trás”.

Esse trabalho de experimentos, como destacou, ia acontecendo enquanto pintava livremente. Entretanto, ao fim, não se enxergava naquela obra, e sim a cópia de outrem.

O primeiro trabalho que o fez chegar onde queria foi a obra intitulada “O Pescador”, a qual pouco tempo depois foi comprado por uma mulher e levado para o Estados Unidos, segundo o artista.

A pintura que também faz parte da obra apresenta 50% de acrílico, mas também usa óleo teze. Hoje com o seu estilo definido, ele diz – sem querer desrespeitar, como ressaltou depois – que o reciclacionismo está para o cubismo. “Menor, maior, igual diferente a um patamar de espaço tempo, eu não devo nada a Picasso”, disse o artista. Ele completa afirmando estar inserido dentro das UDMs, ou seja, as Últimas Descobertas no Mundo.

Hoje, o homem que mora no bairro Brasil Novo, zona Norte de Natal, continua construindo móveis rústicos, enquanto vai pintando e trançando os fios. Enquanto falava, percebe-se que ele não vive na busca que as pessoas tenham a mesma opinião que ele sobre sua obra:
- O meu trabalho é enriquecedor.

Porém, a sua arte começa, como uma flor que passa dias e dias fechada, a se abrir para o Mundo. Se o leitor andar pela mesma Cidade Alta, onde essa entrevista aconteceu, poderá se deparar com as obras do artista em dois pontos. Caso esteja procurando por literatura de cordel, xilogravuras, velhas vitrolas o máquinas datilográficas na Casa do Cordel, propriedade de Abaeté, encontrará lá algumas obras de Marcos.

O outro ponto é o Bar de Nazaré, onde uma parte da boêmia natalense se encontra para beber e comer picadinho também tem quatro peças expostas, e disponíveis à venda. Com preços que variam de R$ 200,00 a R$ 1.000,00, o interessado pode levar os quadros para casa.

Pai de três filhas, ele revela que encontrou resistência no começo da carreira, mas com  o tempo a família passou a compartilhar da opinião do artista. Mas essa barreira foi enfrentada da mesma forma que ele diz enfrentar a avaliação. “Crítica o cara recebe sempre”, concluiu.
O artista também ressaltou sobre a importância de fazer o que se dá prazer em fazer. Com isso, o fruto do seu trabalho será melhor a cada dia. “Quem tiver vocação, faça. Mas se for só pelo dinheiro você vai se tornar um mercenário, pois nem tudo se faz por dinheiro. Seja o que for, faça bem feito” concluiu.

Quanto ao futuro? Marcos Demelo disse que “o tempo vai dizer”. Ee continua no Brasil Novo fazendo móveis para viver e trabalhando em suas telas para ter pelo que viver, deixando que todas as coisas aconteçam. “Eu vou navegar de acordo com o barco”, concluiu.

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